domingo, 23 de janeiro de 2011

Vitória: censo entre 1872 aos dias atuais indica o quanto a cidade mudou

Uma outra ilha: a evolução de Vitória

Levantamento das edições do censo entre 1872 e os dias atuais indica o quanto a cidade mudou e compara os hábitos da população ao longo desse período


Vilmara Fernandes
A Gazeta

Quem passa pelas ruas de Vitória nem de longe imagina que houve um tempo em que a cidade não contava com espaço sequer para ruas. Era uma ilha onde as montanhas despencavam diretamente no mar. Foram os grandes aterros - a maior parte feita a partir da década de 1950 - que mudaram por completo o perfil da Capital e o modo de vida de seus moradores. Foi quando surgiu uma outra Vitória.

O tamanho dessa mudança  é revelado por um levantamento feito a partir de todos os censos realizados pelo Instituto Brasileiro de Geografia Estatísticas (IBGE) no município, desde 1872. O material, produzido pela Secretaria de Desenvolvimento da Cidade (Sedec), mostra que os mais de 16 mil habitantes que usavam lampião e fogão à lenha no final do século XIX já são mais de 325 mil, que não abrem mão de geladeira, computador e carro.
foto: PMV/Acervo de José Tatagiba

Ilha do Boi e Camburi vistas do Convento da Penha, em 1968. Quarenta anos depois, em 2008,
a mesma paisagem, mas agora com a Terceira Ponte e a orla urbanizada

Poucos bairros

Com pouco menos de 10 bairros  - hoje são 79 -, Vitória era uma cidade em 1872 onde as pessoas gostavam de andar a pé, apesar de já  rodarem os bondes, que dividiam espaço nas ruas com poucos carros. Não havia shoppings ou supermercados. "As compras eram feitas em armazéns do governo e quando se precisava de algo mais diversificado, o recurso era procurar no Mercado da Vila Rubim", conta José Tatagiba, autor de vários livros sobre Vitória antiga.

O primeiro grande aterro público da cidade foi feito para a construção do Parque Moscoso, na década de 1920. Trinta anos depois, para melhorar as condições portuárias, explica Kleber Frizzera, titular da Sedec, foi iniciada uma nova leva de aterros em outras áreas da Capital.

Eles mudaram a geografia da Vila Rubim, garantiram espaço para a construção da Rodoviária, de novas avenidas - como a  Beira-Mar -, e de novos bairros, além de praças e parques. Sem contar que viabilizaram novas ligações com outros municípios, como a Segunda e a Terceira pontes - que ligam Vitória a Vila Velha e Cariacica. As mudanças foram tão intensas que a partir de 1980 já não havia mais registro de área rural na Capital.





Futuro
Com o crescimento veio o acesso a energia, água encanada, saneamento e bens de consumo, que chegaram também às periferias. Hoje, já vivendo dilemas de grandes cidades - com congestionamentos e pouco espaço para crescimento -, Vitória precisa superar desafios semelhantes ao do passado, diz Frizzera. Tem que romper os obstáculos geográficos e até sociais que impedem que a cidade tenha a continuidade.

Ele se refere não só ao fato de se poder transitar por todos os bairros - de bicicleta ou a pé - sem a interrupção de um prédio, do mar ou de barreiras sociais; mas também da possibilidade de se oferecer uma programação diária  - pública e privada - sem interrupções, que permita ao cidadão desfrutar da cidade. "Isso é um desafio para o planejador urbano", destaca.

Mas Frizzera se mostra otimista com o futuro que se desenha para Vitória: "Temos uma cidade que se prepara para o novo, com potencial, com uma população jovem bem formada, uma estrutura pública bem acima da média brasileira e uma boa relação com natureza".
Tudo isso, diz o secretário, aponta para um cenário de boa qualidade de vida para Vitória nos próximos dez anos. "Para uma nova fase de Vitória".

Sua paixão é o Centro de Vitória
foto: Chico Guedes

Sérgio Sirkis, ex-morador da Rua 7 de Setembro, se lembra com saudade da tranquilidade que era morar no Centro da Capital: "Não havia congestionamentos no trânsito", brinca o administrador


Foi lá na Rua 7 de Setembro, número 300, que nasceu - pelas mãos de uma parteira - o admistrador e advogado Sérgio Sarkis, 75 anos. "O melhor endereço da cidade", conta com um indisfarçável orgulho de quem viveu em uma Vitória que já não existe. Ele acompanhou de perto todas as transformações de Vitória.

Ele Lembra que até 1950 só havia a Jerônimo Monteiro, por onde transitavam carros e bondes. "E sem congestionamento", brinca.

As crianças jogavam peladas nas ruas e os jovens, nos fins de semana, gostavam de ir para a Praça Costa Pereira. Lá caminhavam no sentido contrário ao das moças para garantir olhares crizados e pequenos flertes.

"Era uma vida sem pressa, com namoros longos e muitas caminhadas", pontua Sarkis, lembrando que nas noites de festa andava até o Saldanha da Gama, no Forte São João, sem nenhum tipo de preocupação.

Sarkis, que hoje mora em Santa Lúcia, ainda mantém a tradição dos mais antigos. Quando vai ao Centro de Vitória, diz que vai à Cidade. "São os velhos hábitos", conta o advogado que ainda corta o cabelo na região para não perder o contato com os amigos.

Ela vivia no areal que hoje é bairro nobre
foto: Gildo Loyola

Maria de Lourdes Estevão Rangel mudou para Jardim da Penha em 1964, quando o bairro ainda era só mato e areia. "Só pobre morava aqui, em casas de madeira", conta a dona de casa


Hoje ela mora em um dos bairros mais valorizados de Vitória, onde o metro quadrado de imóveis residenciais custa, em média R$ 3.500. Mas nem sempre foi assim. Em 1964, quando foi morar em Jardim da Penha, a região era só mato e areal. "Só pobre morava aqui, em casas de madeira", conta a dona de casa Maria de Lourdes Estevão Rangel, 67 anos.

No local não havia água encanada, energia elétrica ou comércio. "A iluminação vinha do lampião e as compras tinham que ser feitas na feira de Gurigica", relata Lourdes.

E para ir à igreja, em Vila Velha, a família de Lourdes tinha que caminhar por trilhas até a Avenida Fernando Ferrari e enfrentar dois ônibus. "Era preciso sair bem cedo de casa", relata a dona de casa.

Quando a situação apertava a família caminhava até a Praia de Camburi. Era lá que garantiam, com a pesca,  o alimento para os filhos. "Foram tempos de muito, muito sofrimento", conta Lourdes.

Mas apesar das dificuldades, seus filhos gostavam  do espaço e de nadar na lagoa, onde hoje tem um supermercado. Aliás, ao contrário de quase 50 anos atrás, hoje, comércio e serviço são pontos fortes de Jardim da Penha.





Para saber mais sobre Vitória antiga:
1 - Puxa!!! Como vitória está mudada! - José Tatagiba
2 - Vitória. Ilha da Nostalgia - José Tatagiba
3 - Vitória. Cidade Presépio - José Tatagiba
4 - Vitória. Ontem e hoje - José Tatagiba
5 - Palácio Anchieta. O apóstolo do Brasil foi sepultado aqui - José Tatagiba
6 - História da construção e das Transformações da Cidade - Carlos Teixeira de Campos Júnior - Sinduscon

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