domingo, 29 de maio de 2011

Se a tatuagem e o piercing viraram moda, eles buscam algo além para ser diferentes

Vale tudo para ser único
Se a tatuagem e o piercing viraram moda, eles buscam algo além para ser diferentes


A tatuagem, que já foi símbolo de rebeldia, hoje é lugar-comum. Tanto, que respeitáveis vovôs as exibem sem fazer corar os netinhos. Da mesma forma, os piercings, que eram coisa de gente "estranha", viraram moda. E já que todo mundo resolveu ser diferente, como fazer para se destacar nessa multidão?

foto: Gildo Loyola

Lorena Velten, 24 anos, se diz uma colecionadora de arte, só que no próprio corpo
A receita - que encontra na pop star Lady Gaga seu maior ícone - tem sido exagerar, levando o corpo ao extremo. Mas se para ela tudo não passa de maquiagem e um figurino exótico (sim, os chifres e os ombros pontudos exibidos nos últimos shows são apenas cosméticos), para os "monstros", como a cantora os chama, a transformação é real. E permanente.

Para se sentir único, vale tatuar o rosto, transformar os caninos em pontiagudos dentes de vampiro e colocar implantes (de verdade) por debaixo da pele. Ou, ainda, recorrer a técnicas de tatuagem que lembram a marcação de gado: no lugar da tinta e das agulhas, as figuras aparecem na pele por meio de uma queimadura feita com um molde de ferro quente.

E toda essa transformação é para atingir uma mudança que, segundo quem faz, já aconteceu há muito tempo. "Tudo que fiz com meu corpo foi o resultado final de uma adaptação que já tinha acontecido. O físico apenas expõem o que pensamos ser de verdade", conta a tatuadora Michele Simão, 27 anos.

O chefe e colega de trabalho Carlos Alberto, o Carlos Tattoo, 40, vê nessa constante mutação apenas a vontade de não ser igual aos outros, ou de não querer seguir o padrão comum. "É uma busca pela individualidade", resume o tatuador.

Três corações no corpo, e ela ainda quer mais Lorena Velten se diz uma colecionadora de arte, só que no próprio corpo. Aos 24 anos, exibe sete tatuagens. Mas o que chama mais a atenção são os implantes que tem sob a pele. As peças, em formato de coração, foram colocadas em São Paulo. "Dói menos do que a tatuagem", diz.


O que doeu mesmo foi a experiência de suspensão. Ela teve ganchos presos nas costas e esperava ser levantada, por esses ganchos, com ajuda de uma corda. Mas a pressão caiu e ela desmaiou. "Ainda não desisti, e quero tentar de novo", promete.

Tantas experiências ela explica dizendo ser apaixonada por mudanças e por novas sensações. A família, de Domingos Martins, sempre entendeu. "Sempre tive essa personalidade muito forte", explica.

Para ela, modificar o corpo é uma forma de mostrar ao mundo quem se é de verdade. "Isso sim é belo", defende. "Sou a única mulher no mundo que tem três corações. É muito amor", brinca Lolo, que ainda quer mais dois - um no braço esquerdo e outro, menor, no direito.

Ele ainda quer "ser diferente", e aos 40 anos "A primeira tatuagem eu fiz aos 14 anos, ainda com a intenção de ser diferente. Era o auge no movimento punk e sentia necessidade de ter algo que os outros não tinham. Acho que essa é a mesma vontade que me faz continuar", conta o empresário Carlos Alberto, mais conhecido como Carlos Tattoo. Hoje, aos 40 anos, ele tem 70% do corpo tatuado - os dois braços e as duas pernas, por inteiro, além das costas, do peito e da barriga. Mantém o piercing na boca, mas já teve na sobrancelha, no nariz, nos mamilos, no queixo... Só não furou as orelhas. "Estou me preparando para usar alargadores", conta. Sim, Carlos ainda tem espaço para mais mudanças em seu corpo. Para ele, essa é uma forma de arte. 


Ele, que não enfrentou resistência da família, conta que no meio punk, entre seus amigos, ter tatuagens é natural. Tanto que aos 17, quando comprou uma máquina para tatuar, os amigos foram os primeiros da fila. "Hoje, o estranho é não ter uma tatuagem. O diferente é o desenho, o local, a quantidade... Amo essa arte, mas entendo o modismo que há por trás. No final das contas, procuramos por algo exclusivo, só nosso", analisa.



Em busca da beleza, ela não cansa de mudar
Quando olha as fotos da menina loira, de pele clarinha - características da região onde nasceu, em Santa Teresa - Michele Simão, 27 anos, não se reconhece. Nos últimos seis anos os cabelos ficaram negros, o corpo ganhou várias tatuagens -inclusive no rosto - e no sorriso exibe, orgulhosa, dentes de vampiro. A imagem de mulher forte - que começou a construir aos 17 anos - contrasta com a voz baixa e o jeito tímido. Já nem sabe quantas tatuagens tem. Parou de contar quando fez a 30ª.

Os olhares curiosos na rua - quando está só ou na companhia do marido e do filho - não a afetam. "Estou mais bonita hoje", frisa. E explica: "Busco ser diferente. Quando alonguei os caninos eu queria mudança. É o que eu sempre quero", explica.

Mas nem todas as mudanças ficam. Michele já tirou alguns piercings e está cobrindo com uma tatuagem no peito a marca de uma experiência que não quer mais ter. Há dois anos ela queimou a pele com uma chapa de metal quente - uma forma mais radical de fazer uma tatoo.
foto: Carlos Alberto Silva

Márcio Vago, 41 anos


Para ele, a perfeição está nos músculos
A dor para alcançar o corpo perfeito não vem somente com a ajuda de tinta, cortes ou queimaduras. No caso de Márcio Vago, 41 anos, fisiculturista profissional, essa mudança veio depois de 23 anos de malhação, sete deles com um objetivo: estar com o corpo preparado para as competições. m 2009, a terceira colocação no Campeonato Brasileiro de Fisiculturismo e a 17ª no mundial reforçaram o sonho do atleta em ter o corpo mais bonito do mundo. Para alcançar o ideal, ele assume: é preciso levar esse corpo ao extremo. "Chego a ter de 3,5% de gordura no corpo", conta Márcio. Abaixo dos 3%, começam a surgir riscos ao organismo, e ele sabe disso. Até anabolizantes ele já utilizou para alcançar tal corpo. "Usei para alcançar o peso e a musculatura necessária, mas não faço mais isso", confessa. Ele prefere seguir o treinamento, que começa três meses antes da competição. Nesse período, ele sai de 105 quilos para pouco mais de 90. "Prefiro acreditar que sou um exemplo de dedicação. Sei que nem todos acham esse tipo de corpo o mais bonito, mas, no mundo fisiculturista, é isso que agrada. E eu gosto", destaca.

Análise

"O corpo é uma forma de consumo"

Kirlla Dornelas - Psicóloga especialista em relacionamento interpessoal
'Hoje, não consumimos apenas o produto que está à venda. Nós queremos mais e consumimos o que esse produto representa, o significado dele. Tudo tem que ter um motivo. Nesse mundo pós-moderno, onde a ideia de consumo passa uma falsa imagem de liberdade de escolha, levamos esse modelo de consumismo até ao nosso corpo. Hoje, a gente também consome o nosso corpo, e é essa maneira de consumo que transforma nossa imagem. Mas há casos extremos em que a mudança ajuda a construir um personagem. O ser humano vira um avatar, um desenho animado. Ele cristaliza uma máscara e encarna um outro eu. Nessa hora, vira uma obsessão, uma doença, já chamada de vigorexia. A pessoa tem uma imagem tão distorcida de si própria que nunca está satisfeita. E o personagem pode perder o sentido."

Branding. 
Técnica nova de tatuagem que queima a pele em vez de usar tinta. O desenho é marcado com queimadura de terceiro grau, deixando uma cicatriz. Pode ser feito com uma placa de metal, no estilo marcador de animal

Scarification.
 
A técnica é de cicatrização de um corte, com a intenção de formar uma quelóide (cicatriz alta). Além de cortar a pele, é retirado um pedaço bem fino dela, deixando um espaço maior para a cicatrização para a formação da cicatriz

Cauterização branding. 
Nesse caso, a pele é cortada por um bisturi quente, deixando a cicatriz: usa-se
as duas técnicas anteriores

Implante transdermal. 
Uma espécie de tatuagem em alto relevo. São implantados objetos por debaixo da pele, por meio de uma intervenção cirúrgica. Pode ser com material feito de aço cirúrgico ou de titânio. O metal também pode ficar exposto: há quem implante um metal que permita o encaixe de outros. É usado por quem quer ter chifres, por exemplo

Alargadores.
 
Mais usados nas orelhas, os alargadores também podem ser vistos no nariz, nas bochechas e no lábio inferior (lembrando figuras indígenas). Ainda há quem os coloque nos mamilos

Pocketing.
T
écnica diferente do piercing tradicional. Em vez das extremidades da joia ficarem à mostra (como em orelhas e mamilos) elas ficam dentro da pele e o corpo do piercing fica visível (como em bochechas e no peito ou nos braços)

Caninos. 
O objetivo é alongar os caninos - feitos com a ajuda de algum dentista - para ficarem parecidos com os de um vampiro ou felino. É um implante sobre outro dente

Bifurcação. 
Por meio de uma cirurgia, a ponta da língua é cortada e separada, ficando parecida com a de uma serpente

Suspensão. 
Não chega a mudar o corpo, já que a experiência dura alguns minutos. Na suspensão, são grudados ganchos, no corpo. Neles são presos uma corda, um cabo ou qualquer material resistente que suporte o peso do praticante e o levante içado como uma bandeira

Tatuagem extrema.
 Há quem tatue os olhos. Insere-se uma tinta na parte branca do olho. Há registros da técnica sendo feita com agulha, igual à usada para marcar a pele, e com seringa.

Maurílio Mendonça
A Gazeta

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