sábado, 7 de agosto de 2010

A cruzada dos dos novos ateus contra a religião

A igreja dos novos ateus
Por que um grupo de cientistas partiu para uma cruzada contra a fé no mundo

Imagine um mundo sem religião, sugere Richard Dawkins, aproveitando um dos versos da música "Imagine", de John Lennon: "Imagine nenhum homem-bomba, nenhum 11 de setembro, nenhuma Cruzada, nenhum conflito na Irlanda do Norte, nenhuma guerra entre Israel e Palestina. Imagine nenhum Taleban para explodir as estátuas gigantes de Buda no Afeganistão". A lógica, apresentada por Dawkins, mas partilhada por outros, como Dennett, é que a fé hoje faz mais mal do que bem à humanidade.
TERROR
O documentário de Dawkins
para a TV inglesa exibe Nova York e o Word
Trade Center com apergunta:"Como seria o
 mundo sem religiões?"

Segundo os religiosos, Dawkins ignora a presença dos moderados. Outros afirmam que a argumentação de Dawkins é inadequada. Sem a religião também não haveria missionários para tratar de doentes de aids na África, defender lavradores na Amazônia, visitar os presos ou criar algumas das mais belas manifestações artísticas. Continuando o raciocínio de Dawkins, não haveria Taleban, mas nenhum budista teria erguido as estátuas gigantes. Tentar julgar as religiões pelo mal que em alguns momentos causaram é tão falacioso quanto fazer o mesmo com a ciência. Seria o mesmo que afirmar que, sem a ciência, não teríamos a bomba atômica, o efeito estufa, os acidentes de avião ou o assédio sexual pela internet.

A questão central levantada pelos novos ateus é até que ponto a religião é a única portadora de bons valores humanistas, como ética, moral e solidariedade. "Você realmente imagina que a única razão pela qual as pessoas tentam ser boas é para ganhar a aprovação de Deus?", diz Dawkins. Mas quem freqüenta qualquer culto pentecostal vê dezenas de depoimentos de pessoas que afirmam ter sido resgatadas de uma vida devassa exatamente pelo temor a Deus.

"Segundo essa lógica, sem a cenoura e o chicote divinos, as pessoas se entregariam aos desejos mais básicos, quebrariam promessas, trairiam os cônjuges, abandonariam seus deveres", diz Dennett. "Não encontrei nenhuma evidência que apoiasse a tese de que pessoas, religiosas ou não, tivessem maior propensão a matar, roubar, estuprar ou trair." Para confirmar isso, ele diz que entre os 2 milhões de presidiários americanos a proporção de religiosos - inclusive de não-religiosos - é a mesma que entre a população livre.

Dawkins tenta mostrar como os melhores impulsos humanos podem ter evoluído naturalmente, pelo mesmo mecanismo de seleção natural que produziu a linguagem. O instituto da generosidade teria se desenvolvido quando os humanos ainda viviam em bandos pequenos e a sobrevivência de todos dependia de cooperação. Há quem vá mais longe. Segundo Franz de Waal, um dos maiores especialistas em primatas, estudos com chimpanzés e macacos bonobos revelam que valores humanistas, como cooperação, solidariedade e amizade, já teriam emergido em espécies ancestrais dos humanos.

Um mundo sem fé poderia até ser moral. Mas teria tanta graça? Alguns ateus dizem que a espiritualidade não está necessariamente ligada à religião. "Poderíamos invocar o poder da poesia e da contemplação silenciosa", diz Sam Harris. No lugar da devoção a Deus, eles adotam a admiração pelo mundo natural, pelas belezas que o cosmo revela à luz da razão. É o naturalismo. "Ele ensina uma das coisas mais importantes do mundo", diz Greg Graffin, zoólogo da Universidade Cornell, nos Estados Unidos, e fundador da banda punk Bad Religion. "Existe apenas esta vida. Então, dê beleza e sentido a ela."

Essa sensação foi mais bem descrita pelo físico Albert Einstein, quando pressionado a explicar sua opção: "Sou um profundo religioso não-crente. Nunca imputei à natureza um sentido ou um objetivo, nem nada que pudesse ser entendido como antropomórfico. O que vejo na natureza é uma estrutura magnífica que podemos compreender apenas imperfeitamente. E isso deve encher a pessoa com uma sensação de humildade. Essa é uma emoção verdadeiramente religiosa, que nada tem a ver com misticismo".

Em um aspecto, pelo menos, quem acredita em Deus está em situação favorável. Pesquisas sugerem que as pessoas religiosas vivem mais e se sentem mais felizes. Também, pelas taxas de natalidade dos EUA e da Europa, os religiosos parecem se reproduzir mais que os não-crentes. Isso é uma vantagem competitiva inquestionável, em termos darwinistas.

Mesmo morando em São Paulo, a dentista paulista Simone Bogus, de 41 anos, não quis correr o risco de seu filho aprender alguma espécie de teoria criacionista. Ao matricular Pedro, de 8 anos, na escola, fez questão de destacar que é atéia na opção religiosa. "Peço para que ninguém implique com ele nem imponha nada de religião", diz. Ela tem pais s católicos, estudou em colégio batista, morou com uma família judia e foi evangélica fervorosa, mas diz que deixou de acreditar em Deus há quatro anos.


CEREBRAL
Dennett em seu escritório. No novo livro, que será lançado no Brasil neste mês, ele tenta explicar a origem da fé

Simone afirma querer deixar o filho livre para definir as próprias crenças. "Quando o avô dele morreu, muitos familiares disseram que tinha ido para o céu", afirma. "Eu não brigo se meu filho acreditar nisso, mas preferi dizer a ele que o corpo do avô foi comido por bactérias, virou pó e que eles nunca mais se verão. Meu filho não pode ser privado da realidade", diz. Embora ache a religião algo absolutamente dispensável e alienante, não entra em polêmicas. "Se uma senhora de 80 anos me diz: 'Deus te abençoe', eu respondo 'Amém' e encaro como uma demonstração de carinho."

Paradoxalmente, a investida dos novos ateus contra a religião dificulta a retirada do "criacionismo científico" dos currículos das escolas. Quando assume o confronto, Dawkins dá razão aos fundamentalistas, que dizem que o darwinismo é a porta de entrada para o ateísmo. "Quem perde com a radicalização de posições são os moderados, tanto religiosos quanto cientistas", diz Eduardo Cruz, físico e teólogo da Pontifícia Universidade Católica (PUC) de São Paulo. Em um mundo assombrado pelo fundamentalismo religioso, o embate não ajuda. "Não é hora de acirrarmos o conflito, mas de buscar formas de conciliação."

Mas a conciliação ficou mais distante com o ataque dos ateus. Tamanha rixa entre ciência e fé não existia desde 1859, quando Darwin publicou A Origem das Espécies. Aquela foi, na visão dos religiosos, a maior agressão dos cientistas à fé. A obra de Darwin virou a base da biologia moderna. Segundo ele, as espécies evoluem pelo mecanismo de seleção natural. O processo começa pelas mutações, naturais em qualquer reprodução. Por mais parecidos que sejam com os pais, os filhos sempre têm características diferentes. Essas diferenças os tornam mais ou menos capazes de sobreviver e reproduzir no ambiente em que vivem. Alguns desses traços favorecem o sucesso dos indivíduos: força física, velocidade, capacidade de digerir alimentos mais duros, uma cor que confunde seu maior predador, atratividade para o sexo oposto etc. Como os indivíduos com traços mais vantajosos tendem a ter prole maior, esses traços acabam se espalhando por toda a população. E assim a espécie muda. A teoria foi criticada pelos religiosos desde o início, por tirar do homem o status de "criado à imagem e semelhança" de Deus, "rebaixando-o" a um macaco aperfeiçoado. Nos últimos 150 anos, foi comprovada e aprimorada. Pesquisas genéticas recentes revelam que 98,5% do DNA humano é igual ao do chimpanzé.

A maioria das religiões cristãs se adaptou, ao longo do tempo, ao avanço das idéias científicas. Elas lêem o texto do Gênesis - o livro bíblico que trata da criação do mundo - como um relato simbólico, que não deve ser tomado ao pé da letra. Em paralelo, grande parte dos cientistas também convive bem com a própria fé e a dos outros. Alguns seguem um princípio que foi definido pelo biólogo americano Stephen Jay s Gould como o dos magistérios que não se misturam. Segundo Gould, que se dizia agnóstico, os cientistas se limitariam a explicar o que diz respeito ao mundo natural. Já os filósofos e religiosos se encarregariam de questões sobre o sentido da existência.

Mas os cientistas religiosos preferem harmonizar a fé e a razão. "Gould estabelece um muro artificial entre duas visões de mundo", diz o geneticista Francis Collins, diretor do Instituto Nacional de Genoma Humano, que coordenou o trabalho internacional para mapear o DNA humano. "Acredito que a força criadora de Deus fez tudo existir em primeiro lugar. Por isso, estudar o mundo natural é uma oportunidade para observar a elegância e a complexidade da criação divina", diz. Tanto os agnósticos, como Gould, quanto os devotos, como Collins, têm em comum a opção por lutar contra o confronto entre ciência e religião.

Autores: ALEXANDRE MANSUR E LUCIANA VICÁRIA COM MARIANA SANCHES


Fonte: Revista Época (18/12/2009)

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