domingo, 11 de setembro de 2011

Augusto Cury: "Você só é livre quando consegue se controlar"


"Você só é livre quando consegue se controlar"

Cientista e pesquisador do comportamento humano, Augusto Cury diz não se incomodar com críticas da comunidade acadêmica que alegam que seus livros não são ciência


foto: Gil Montano/Caracas
"Quem tem necessidade neurótica de estar sempre certo não terá tranquilidade psíquica", Augusto Cury, médico e escritor

Marcelo Pereira- A Gazeta
O escritor brasileiro mais lido na última década anda pensando no ditador nazista Adolf Hitler como uma obsessão. Augusto Cury, 52 anos, tem recolhido dados para um romance a ser lançado no ano que vem. "Eu quero me debruçar sobre a mente de Hitler para elaborar uma ficção que explique o que gerou um ser humano capaz de tantas monstruosidades. Ele não era um psicopata comum, dos que matam num arroubo de raiva. Era um psicopata frio, que vive em nosso meio e que nós nem reparamos. Infelizmente, o atual contexto de educação e de vida podem futuramente favorecer a esses ?Hitleres? no meio da gente", alerta o escritor, médico e psiquiatra criador da chamada Teoria da Inteligência Multifocal. Suas ideias foram apresentadas pela primeira vez no livro de mesmo nome, em 1998.

Atualmente, ele vive com a esposa Suleima, que foi sua colega na faculdade de Medicina, e as três filhas em Colina, cidade de 17 mil habitantes, próxima a Barretos, a capital nacional dos rodeios. Os leitores (e são muitos) apontam três obras suas como fundamentais: "Pais Brilhantes, Professores Fascinantes" (sua incursão na pedagogia) e os motivacionais "Nunca Desista de Seus Sonhos" e "Você é Insubstituível". Ultimamente, também incursiona na ficção com "A Ditadura da Beleza e a Revolução das Mulheres", obra em que critica os padrões de aparência instituídos pela sociedade moderna.

O estudioso de fala mansa e postura acolhedora esteve no Espírito Santo cumprindo uma agenda de palestras para profissionais ligados à segurança pública, como policiais, juízes, advogados e servidores. "Infelizmente, nós privilegiamos por demais a resposta, a reação. Não nos colocamos no lugar do outro. Pensar diferente disso é um dos pilares da inteligência multifocal", argumenta. Leia outros trechos da conversa a seguir.

Qual a sua maior crítica ao atual sistema de ensino?
Acredito que deveríamos ter uma formação mais humanista. Nós condicionamos nossas crianças e adolescentes a competir, a se voltar para o exterior. Não investimos em nossas escolas para conhecermos a nós mesmos.

De que maneira isso poderia ser útil num mundo que cobra respostas rápidas?
Seriam, com certeza, respostas mais significativas e úteis. Essa formação humanista nos ensinaria que você só é livre quando consegue se controlar. Ação e reação podem ser ótimas para a física, mas são péssimas para as relações humanas. Devemos nos ater é ao equilíbrio tanto de emoção quanto de razão. Fora dessa preocupação, a razão pode desenvolver uma necessidade neurótica de poder. E a emoção longe desse equilíbrio pode gerar indivíduos hipersensíveis, que terão problemas em se relacionar e interagir com os outros.

O senhor se considera equilibrado?
Estar equilibrado é um exercício diário. Esse método não é um estágio final de um receituário. Eu sempre fui muito mais emotivo. Acho que devo isso a minha mãe. Aos seis anos, deixei um canário morrer de fome. Ela me chamou a atenção sobre isso de uma forma enfática, o que muito me impressionou. A partir de então, passei a me cobrar muito emotivamente. É um tipo de atitude que pode ser boa para o sistema em que vivemos, mas acaba produzindo pessoas que são algozes de si mesmas. Com o tempo aprendi a lidar com culpa e com o grau de minhas responsabilidades.

Nesse caso, o senhor deve lidar bem com críticas de cientistas e autores sobre suas teorias...Nós nunca devemos agredir a quem nos agride. É o que defendo. Se ao invés de atacar, eu duvidar da raiva, criticar a raiva que me controla, eu poderei tirar uma conclusão mais construtiva daquele momento. Quanto às críticas, eu as recebo com naturalidade. A obra, ao ser lançada, fica a mercê da avaliação dos leitores e do público em geral. Há um contingente de pessoas que me tornaram o autor brasileiro mais lido na última década. Acredito que eles não podem estar errados. Acho, então, que estou fazendo um trabalho útil.

Suas teorias incomodam seus colegas?
Muitas de minhas teorias e estudos estão no programa de universidades e faculdades do país. Muitas delas continuam contribuindo com teses de mestrado e doutorado. Uma delas, a da Inteligência Multifocal, é pesquisada na Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, a Unesp. Se fossem pseudociência, como falam, não seriam objetos de estudo. Quando resolvi divulgar a ciência para o público leigo, sabia desses riscos, de não ser compreendido pelos meus próprios colegas. Muitos deles encaram a academia como uma torre de marfim, uma confraria fechada de sábios. Não penso assim. A linguagem deve democratizar o acesso à ciência, ao fazer científico. Quem tem necessidade neurótica de estar sempre certo não terá tranquilidade psíquica.

Rejeita, então, o conceito de autoajuda?

Como a minha área e meu objeto de estudo giram em torno do comportamento humano, das emoções, há uma tendência a quererem simplificar com esse conceito. Não tenho nada contra, mas o que escrevo vem de observação e análise científica. O que eu percebo - e que é interessante - é que muitos desses leitores que pensam se tratar de uma autoajuda acabam ficando fascinados pela investigação científica e terminam por se aprofundar nesses temas.

O senhor também se propôs a tratar em alguns livros temas ligados a fé. Foi o caso de "Os Segredos do Pai Nosso" e "Análise da Inteligência de Cristo". Acredita em Deus?
Já fui ateu. Eu me tornei um cristão, mas um cristão sem fronteiras. Tenho amigos padres e pastores de várias denominações religiosas apesar de não fazer parte de nenhuma igreja ou grupo religioso. Fiquei impressionado com a figura de Jesus Cristo. O seu comportamento é ímpar, não há correlação na história. Ele cita em seus discursos mais de 60 vezes que é deste mundo, que é humano, que para ser humano pleno era necessário ter as atitudes dele. No momento em que é traído por Judas, ele simplesmente abraça o discípulo que errou. A sua atitude, a de alguém que não obedece ao instituto e à lei da ação e reação, é notável. Cristo não excluiu ninguém, nem mesmo aquele que, ao julgamento convencional, era o mais detestável.

Um cientista que crê em Deus não é algo contraditório?
Não acho. Acredito que há muito de preconceito nessas questões relacionadas à fé, à metafísica. Crer em Deus não é fruto de um cérebro apequenado. O problema é a forma como se lida com essa fé. O que te norteia pode não ser suficiente para o outro.

Sua pesquisa sobre Hitler é para um novo romance. Por que o ditador nazista incomoda tanto Augusto Cury atualmente?
Ele está mexendo com a minha pressão arterial. Devo entregar esse livro em maio de 2012. Vai se chamar "O Colecionador de Lágrimas versus Hitler". Será um romance filosófico. Eu me decidi a utilizar essa figura histórica para tentar mostrar às pessoas o que acontece quando nos consideramos o dono da verdade, que só nós temos razão. O risco de convencermos os outros e nos perdemos em nossas próprias certezas é muito grande.

O senhor disse que poderemos ter novos Hitleres no futuro...
Se continuarmos com esse sistema em que só se privilegia o individualismo, a prepotência, a competição, a conquista selvagem, sem nos visualizarmos nos outros que estão a nosso redor, sim. E o problema é que a atual conjuntura pode facilitar a ação de indivíduos assim. Hitler convenceu uma sociedade que passava por uma crise: crise de estrutura política, econômica, de valores. Ela lhe deu o poder e deixou-se guiar cegamente por ele. O mundo está passando por crises mais ou menos semelhantes. Temo que, nesse cenário e nessa educação convencional que promovemos, possa aparecer um indivíduo desses e conduzir as pessoas em seu desespero para caminhos tão obscuros que os alemães trilharam nos anos 40.

Vida e obra

Quem é ele
Augusto Cury é médico com especialização em Psiquiatra, psicoterapeuta e escritor na área de literatura psiquiátrica. Nasceu na cidade paulista de Colina, em 2 de outubro de 1958.

Bibliografia
Cury vendeu mais de 12 milhões de livros somente no Brasil na primeira década do século XXI. Foi publicado também em mais de 50 países. Entre seus sucessos, que já ultrapassam 24 títulos, estão "Nunca Desista de Seus Sonhos", "Pais Brilhantes, Professores Fascinantes", "O Vendedor de Sonhos: O Chamado", "O Vendedor de Sonhos e a Revolução dos Anônimos", "Treinando a Emoção para Ser Feliz" e "O Código da Inteligência".

Religiosidade

Alguns de seus títulos se dedicam a analisar elementos da cultura cristã, sem necessariamente estar ligado a uma fé em especial. Estão nesse rol "Os Segredos do Pai Nosso" e "Análise da Inteligência de Cristo".

Inteligência Multifocal
Cury é autor da teoria que descreve a chamada inteligência multifocal. Ele busca explicações sobre o funcionamento da mente. Segundo suas ideias, a inteligência teria cerca de dez funções, todas marcadas por argumentações humanistas. A inteligência multifocal seria aquela que teria como funções: amar e valorizar a vida, apreciar o belo, pensar antes de agir,  expor e não de impor suas opiniões, ser solidário,  gerir os pensamentos dentro e fora dos conflitos, se colocar no lugar dos outros, manter o espírito empreendedor, trabalhar perdas e frustrações e colaborar em equipe.

Institutos no Brasil e em PortugalCury é diretor da Academia de Inteligência, instituto que promove o treinamento de psicólogos, educadores e outros profissionais. Desenvolveu também o projeto Escola de Inteligência, que tem como principal objetivo a formação de pensadores por meio do ensino das funções intelectuais e emocionais mais importantes para crianças e adolescentes. Em março de 2008, foi criado o Centro de Estudos Augusto Cury, em Portugal.

AutoajudaAlguns membros da comunidade acadêmica não consideram ciência as teorias de Cury devido à inexistência de bibliografia e de referências de outros estudos. Ele se defende, afirmando que sua teoria é original, por isso não há nenhuma outra pesquisa feita anteriormente.


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