A participação de uma transexual em um dos programas de maior audiência da televisão brasileira --a cabeleireira Ariadna Arantes no Big Brother Brasil, da Rede Globo--, reascendeu a discussão sobre a condição.
Um estudo apresentado no Instituto de Psicologia da USP aponta que o transexualismo não está associado à personalidade psicótica, em contraposição à teoria lacaniana desenvolvida nos anos 1950. De acordo com a teoria, psicanalistas acreditavam que a perda da noção da realidade do corpo faria com que um homem se enxergasse mulher e vice-versa.
Segundo o estudo "Transexualismo, psicanálise e gênero: do patológico ao singular", a vontade de ser do sexo oposto não implica necessariamente uma patologia ou uma disfunção de percepção da aparência, mas uma singularidade de algumas pessoas.
O autor da pesquisa, o psicólogo Rafael Cossi, trabalhou com diversas noções da psicanálise lacaniana para tentar explicar por que algumas pessoas buscam viver suas vidas como se fossem do sexo oposto.
Ele baseou o estudo em seis biografias de transexuais e trabalhou quatro conceitos que estão vinculados ao funcionamento comum da mente humana e não se relacionam com a noção da rejeição: estágio do espelho; o verleugnung (do alemão, "renegação" ou "desmentido"); o semblante; e o sinthoma.
O estágio do espelho está relacionado à formação inicial do ego da pessoa. No caso de transexuais, há momentos, no início da vida, em que a criança percebe que o tratamento que ela recebe do outro não é, sob o seu ponto de vista, coerente com o seu sexo.
"Às vezes, há hesitações por parte do outro, não confirmando para a criança que ela pertence ao sexo que o seu corpo indica", explica o psicólogo.
A noção de verleugnung implica negar a presença de algo, mesmo reconhecendo sua existência. "O transexual não alucina que seu corpo é o do outro sexo. Ele o reconhece de fato como é, mas nega isso e recorre à realização de intervenções cirúrgicas, para adequar sua anatomia à sua identidade sexual", diz Cossi.
O semblante, terceiro conceito que o autor sustenta, diz respeito à noção de aparência. "O transexual faz o semblante de que existem personalidades masculina e feminina claramente definidas e incorpora rigidamente uma delas. Por meio dessa atitude, quer se mostrar como uma mulher legítima presa em um corpo de um homem ou vice-versa. A encarnação deste estereótipo é condição fundamental para que o transexual possa ser reconhecido como tal e lhe seja permitido realizar a cirurgia de mudança de sexo", aponta o pesquisador.
Por fim, o conceito de nome sinthoma é útil porque reconfigura, a partir dos anos 1970, a clínica psicanalítica lacaniana, esvaziando seu caráter patologizante. O psicólogo diz que os casos de transexualismo não devem ser encaixados automaticamente em padrões que, inevitavelmente, condenam os sujeitos que não se enquadram no modelo heterossexual ao campo da patologia.
CIRURGIA PLÁSTICA
Segundo Cosi, tratar o transexualismo como uma singularidade de cada pessoa é entender a personalidade de cada uma delas e fugir dos estereótipos.
"Transexual não é apenas a pessoa que solicita a cirurgia de mudança de sexo. Há homens que vivem como mulheres e mulheres que vivem como homens mesmo com o órgão sexual oposto. Eles lidam bem com isso e sentem que não precisam fazer a cirurgia. Para muitos deles, sua redesignação civil, a mudança de nome, já lhes é suficiente, assim como o reconhecimento e o respeito do outro."
Com AGÊNCIA USP
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