Vilmara Fernandes
Ao receber a notícia que mudaria por completo o rumo de suas vidas, elas não tiveram dúvidas: deram para as amigas a coleção de bonecas Barbie. Ele bem que tentou evitar, mas teve que abandonar o futebol. Para esses adolescentes, o adeus precoce à infância - e a alguns de seus sonhos - veio com a confirmação de que teriam um filho, aos 11 anos.
Histórias como a de Ana, João e Maria (os nomes são fictícios para preservar as identidades dos pré-adolescentes) acontecem por todo o Estado. Em 2010, apenas em 19 dos 78 municípios não foram registrados casos de mães com menos de 14 anos. No mesmo ano, pelo menos 362 bebês filhos de adolescentes nasceram nos hospitais capixabas - e os números ainda não foram fechados totalmente.
Sem brincadeiras
São meninas - e até meninos - que, de uma hora para a outra, deixaram para trás brincadeiras de infância, conversas com as amigas, festas e videogames para vivenciar transformações que nem sempre conseguem acompanhar. "Eu ainda não acredito", relata Ana, que cortou o cabelo de suas bonecas antes de entregá-las às amigas. Ela, que já é mãe de uma menina de 1 ano e 7 meses, aos 14 anos está grávida, novamente.
A jovem - que sonhava ser veterinária, mas parou de estudar na 5ª série - ficou grávida do namorado João quando ambos tinham 11 anos. A surpresa do garoto não foi menor ao receber a notícia: "Fiquei horas pensando, sem pensar em nada", conta. Abandonados pelos pais, decidiram morar juntos, e João começou a trabalhar.
Hoje, mal tendo completado 15 anos, está desempregado. "A vida é muito difícil. Sempre falta alguma coisa", relata, olhando para a filha que já não tem mais fraldas para usar. A jovem família reside em três cômodos num bairro carente. O único apoio que recebem é de uma irmã mais velha de João, que ainda não se conforma: "Ele é só um garoto".
Nova educação
São por situações como essa que Margarita de Matteos, coordenadora do Programa de Atendimento a Vítimas de Violência Sexual Pavivis, defende que a educação sexual seja ensinada já no ensino infantil. "Tem que aprender desde pequeno a entender o corpo", destaca.
Ela apoia sua afirmação na precocidade de algumas crianças. Pesquisa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), feita em Vitória em 2009, e apenas no 9º ano escolar, mostra que 2% dos alunos entrevistados tiveram sua primeira relação sexual com 9 anos ou menos - outros 16%, na faixa de 10 a 14 anos.
Outra que reforça a tese é Fernanda Stange, psicóloga da UTI Neonatal do Hospital das Clínicas (Hucam). Acostumada a lidar com adolescentes que chegam à unidade cada vez mais novas, sabe que falta a elas o direito de escolher a hora certa para engravidar. "Discutem a legalização do aborto, mas ninguém se questiona por que esses jovens estão engravidando tão cedo", pondera Fernanda. Algo que alguns pais pensam ser natural. "Hoje é comum", diz Sílvia, cujas filhas foram mãe aos 15 e 13 anos.
Visão mágica
O relato dos adolescentes mostra que a sexualidade precoce, o desconhecimento do próprio corpo - com a chegada da primeira menstruação - e a visão mágica de que nada lhes acontecerá são alguns dos responsáveis por esse tipo de gravidez.
A maioria não usou nenhum método anticoncepcional. "Não gosto de tomar remédios, e meu namorado não gosta de camisinha", conta Patrícia, que mal completou 15 anos e já leva nos braços um bebê de 2 meses.
Por medo de serem punidos, muitos desses adolescentes tendem a esconder a barriga e a não realizar o pré-natal. Muitas gestações só são descobertas lá pelo terceiro ou quinto mês. Nesses casos o principal risco é para o bebê. "Descobrem tarde demais, quando as boas oportunidades para interferir já passaram", relata Geisa Barros, pediatra do Hucam. O resultado são partos prematuros e bebês doentes, até com má formação genética. Alguns são abandonados ainda na maternidade.
Mas o maior risco é o socioeconômico. Embora não seja restrita aos pobres, a gravidez antes dos 14 anos é mais frequente nos bairros mais carentes. Cerca de 45% dessas mães são da Grande Vitória. São filhos de famílias que já enfrentam problemas, como o uso de drogas, pais ausentes e de mães que também tiveram filhos muito cedo.
Fora da escola
O resultado são adolescentes fora da escola, sem chances no mercado de trabalho, que não têm renda para sustentar sozinhos seus filhos. Uma vida marcada pela falta de planejamento, de perspectivas, de opções, como pontua Célia Márcia Birchler, referência técnica na saúde do adolescente da Secretaria Estadual de Saúde (Sesa). "É uma perpetuação da pobreza."
Na maior parte dos casos, as jovens vão criar seus filhos sozinhas. São raras as histórias como o de Patrícia, que foi viver com seu namorado, na casa da sogra. No Estado, segundo o IBGE, não há casos de garotos que disseram ter oficializado a relação com menos de 15 anos. Só quatro garotas fizeram isso em 2009. Do total de casamentos em 2009, só 15% das meninas com mais de 15 a 19 anos casaram-se, e apenas 3% dos homens.
A maioria vai precisar do apoio da família. Como Maria, que aos 10 anos se encantou com o vizinho de 22 anos. O resultado dessa relação foi um bebê - hoje, com 3 meses - que mudou a sua vida. A garota chegou a passar a reta final da gravidez em um abrigo, por suspeita de estupro. "Ele era meu namorado", diz sobre o homem procurado pela polícia.
Hoje ela vive em outro bairro. Pouco sai, recebe as amigas em casa e não tem bonecas. "Tenho um filho", desabafa. Sua mãe, uma tia e a avó revezam-se nos cuidados com ela e o bebê, que tem problemas cardíacos. É com essa ajuda que a jovem tímida e de olhos sorridentes sente que vai poder realizar seu sonho de ser modelo ou professora.
Bem diferente de João, o garoto que foi pai aos 11 anos e que dia a dia vê seus planos de ser jogador de futebol se esvaírem e sua vida ser resumida: "São apenas sonhos", arremata. E cada vez mais distantes, como o de muitos outros adolescentes que, apesar da idade, já são pais ou mães.
A Gazeta
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