sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011

Ritual de tribo transforma homens em crocodilos em Papua Nova Guiné. Veja

A Papua Nova Guiné, ao Norte da Austrália, é infestada de crocodilos, que definiram as crenças da região.

Um dos rituais mais cruéis e sangrentos ainda existentes produz marcas indeléveis no corpo de adolescentes da remota tribo Kaningara

Com lâminas reutilisáveis, os cortadores começam a abrir a pele dos cinco rapazes nus deitados sobre folhas de palmeiras. Pequenos e múltiplos cortes são feitos, um após o outro, com rapidez e agilidade. Primeiro no peito, depois nas costas. Tudo sem anestesia. Esponjas sujas são ensopadas com água de uma bacia velha para limpar o sangue que escorre de seus corpos constantemente e poças são formadas no chão com o líquido vermelho. A sessão dura duas horas.

Os jovens da remota tribo kaningara, em Papua- Nova Guiné, estão no período de transição para a vida adulta, que se dá por meio de um ritual agonizante de modificação do corpo. Dessa forma, eles acreditam, se tornarão homens-crocodilo – o animal que veneram como Deus único e criador do mundo.
Localizada na Oceania, ao norte da vizinha Austrália – da qual ganhou independência em 1975 – a Papua-Nova Guiné fica na parte leste da ilha da Papua, a segunda maior ilha do mundo, e a divide exatamente ao meio com a Indonésia. O país é quase do tamanho do Estado da Bahia. São mais de meio milhão de quilômetros quadrados banhados de puro verde. É um dos países mais rurais existentes, com apenas 18% dos seus seis milhões de habitantes vivendo em áreas urbanas. O restante está em regiões muito remotas, sem contato direto com o mundo exterior. Muitas dessas tribos vivem tão isoladas que não mantêm nem contato entre si e vivem da agricultura de subsistência.

A tribo dos homens-crocodilo, uma das poucas no país que ainda realiza uma cerimônia tão antiga, espiritual e simbólica, está a dez horas a bordo de uma canoa longa e fina, muito primitiva, da cidade mais próxima, Wewak. A vila é feita de várias ocas erguidas acima do solo para se proteger de inundações que ocorrem durante a época das chuvas. Construída no topo de uma montanha, oferece vista – de tirar o fôlego – para lagos e para o rio Sepik, o maior do país, com 1.126 quilômetros de extensão. Todo o tráfego na região é feito por canoas.

Mais do que um rio longo e cheio de crocodilos, o Sepik é um museu vivo. Suas margens são habitadas por povos singulares, como os kaningara, que cultivam crenças espirituais únicas no mundo e mantêm um dos rituais de modificação do corpo mais cruéis e sangrentos existentes.

No alto da montanha, dentro da hauss tambaran, ou da casa dos espíritos, uma grande oca especial no centro da tribo, os jovens se preparam para celebrar espírito e vidas humana e animal, com poder e orgulho. Cantos, danças quase teatrais, homens mascarados, pinturas corporais, arquitetura e um ritual de cicatrização são as formas usadas para a comunicação com o mundo dos ancestrais.


Ritual de transformação
Após dois meses de preparação na casa dos espíritos, o pajé da tribo decide que o momento certo chegou aos cinco meninos. O grupo vai começar o último estágio de um longo e árduo processo de transição para a vida adulta, no qual seus corpos serão transformados e moldados pelas mãos dos integrantes da tribo mais experientes. Para o pajé, eles estão preparados para o novo estágio da vida. Serão responsáveis pela sua vila, poderão casar e proteger seu território depois de serem bravos o bastante para aguentar a dor que está por vir.

O sangue que sai dos cortes feitos durante a iniciação é, simbolicamente, o sangue pós-parto da mãe, que precisa sair do corpo do iniciado para separá-lo do mundo das mulheres. Geralmente é um tio materno que limpa o sangue derramado do jovem e lhe dá apoio no momento dos cortes. Dessa forma, o sangue da mãe volta para a mesma linhagem. Em retorno, o tio é que “dá à luz” ao garoto em um processo que os antropologistas chamam de partenogeneses.

Durante as longas semanas dentro da casa dos espíritos, os jovens receberam ensinamentos dos mais velhos por meio de conversas, cantos e ritos usados – eles acreditam – para a comunição com os ancestrais. Noites em claro cantando e batucando sem parar. Vinte e quatro horas dançando, celebrando e comendo com o olhar fixo contra a parede. Sentados na mesma posição, quase nus e com lama no corpo. Tudo tem um significado espiritual para os kaningaras. Esse período permite a absorção de um conhecimento mais profundo sobre a crença de seus ancestrais, sua magia e as origens das coisas. Entre os kaningaras, conhecimento é poder e transforma os meninos em homens de verdade.

Os jovens parecem cansados e querem que tudo acabe logo. Não querem demonstrar preocupação, mas certamente estão ansiosos. Querem subir na hierarquia da tribo, mas, ao mesmo tempo, estão com medo do momento que está por vir.

Jeffrey Mann, cacique da tribo kaningara, explica que os meninos não saem de dentro da casa dos espíritos durante todo o processo. “Eles ficam aqui, dormem, se preparam e esperam pelo tempo certo para o ritual.” Apenas os homens da tribo que já passaram pelo ritual podem vê-los e entrar na casa especial nesse momento. Do lado de fora, os últimos dias são de celebrações intensas para quem não pode entrar na casa, como as mulheres e as crianças. O convidado de honra, um crocodilo gigante vivo, chega, carregado pelos nativos. Ele é o símbolo máximo da cerimônia e, ao fim do ritual, é solto novamente no rio ou nas fazendas que criam o animal. As mulheres e as crianças usam crocodilos filhotes como adereço nas roupas tradicionais e dançam com toda a naturalidade.

Apenas no dia do ritual esses meninos-crocodilos podem sair da casa dos espíritos, após quase dois meses sem ver a luz do sol e suas famílias, para que a tribo os veja antes da transformação. Eles aparecem protegidos pelos mais experientes, que seguram suas mãos. Os jovens encontram suas mães, que os abraçam pela primeira vez em semanas. O restante da tribo grita palavras de encorajamento. Mas, rapidamente, eles voltam para o isolamento. Os iniciados estão prestes a ter o peito e costas marcados para sempre.

“Essa é a única forma de os adolescentes se tornarem membros verdadeiros da tribo, adquirindo respeito, poder e a força do animal. Agora eles serão invencíveis”, diz Mann, vestido com penas, colares e panos empoeirados ao redor da cintura. “Eles foram muito bem preparados para esse momento pelos integrantes da tribo e suas famílias.”

Lá dentro, deitados no chão, eles têm o apoio do pajé, que reza sem parar, circulando ao redor dos meninos enquanto os cortadores começam a desenhar o peito com uma lâmina. Os cortes ao redor do mamilo representam os olhos do crocodilo. As narinas serão desenhadas próximas ao abdome, e as pernas traseiras e o rabo do animal, nas costas.

“Não tenho medo porque essa é a nossa tradição e tenho orgulho disso”, diz o mais jovem e mais magro do grupo, Jefferson, de 15 anos. Sem anestesia alguma, eles mastigam uma frutinha local para ajudar a conter a dor, enquanto tentam lembrar o que a crença diz: “Aguentar a dor vai torná-los capazes de passar por qualquer coisa na vida. Vai torná-los indestrutíveis, fortes, assim como os crocodilos”.



Entre a dor e o orgulho
Na hora de começar os cortes nas costas, no entanto, a situação muda para Jefferson. É nesse momento que ele simplesmente não aguenta mais. Grita muito e chora de dor. Os mais velhos riem e debocham, forçando-o a deitar novamente. Ele não aceita e acaba com marcas diferentes dos demais, mais leves. Os outros meninos, apesar de não emitirem som algum, demonstram em suas expressões faciais o sofrimento. O cheiro forte da mistura de sangue e suor é o que mais impressiona a quem não está acostumado.

Quando os cortes estão completos, eles são lavados com uma esponja e água fria. Com peito e costas perfurados, é hora de voltar para a frente da casa dos espíritos e exibir as marcas ao restante da tribo, que admira em silêncio os novos integrantes adultos. Eles estão muito cansados para expressar qualquer emoção, mas agora são homens-crocodilo e podem se orgulhar.

Com o fim do dolorido ritual, os jovens voltam para a casa dos espíritos para cicatrizar as feridas, do corpo e da alma. Todos estão aliviados, mas alguns não aguentam e desmaiam. Nas próximas semanas, eles permanecem dentro da casa, recebendo aplicação de óleo de palmeira com auxílio de uma pena, que ajuda a parar o sangramento, e se banhando no lago barrento. A lama tem o propósito de infeccionar as feridas, causando a formação de uma larga e elevada cicatriz, que lembra as costas do crocodilo.

Em algumas semanas, os cortes devem estar fechados e a vida voltará ao normal. Pelo menos até a próxima iniciação de uma das tradicões mais antigas e primitivas do mundo.

Papua-Nova Guiné
Terra de uma fauna única, com borboletas e pombos gigantes, a Papua-Nova Guiné possui mais de 800 grupos étnicos, cada um com sua língua peculiar. É o país com o maior número de tribos e de idiomas do planeta. Sua geografia e meio ambiente são tão diversos quanto sua cultura. São picos nevados que chegam a quatro mil quilômetros de altura, selvas e pântanos, ilhas vulcânicas e recifes de corais.

horizontegeografico.com.br
Texto: Giovana Vitola

Um comentário:

  1. Está muito boa a informaçao ... ajudou-me imenso para o meu trabalho..

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