domingo, 3 de fevereiro de 2013

Santa Maria (RS). 'Nunca vamos esquecer', diz professor que perdeu 15 alunos na tragédia


'Nunca vamos esquecer', diz professor que perdeu 15 alunos na tragédia
Luiz Sérgio Segala almoçou com duas vítimas na tarde anterior à tragédia. Diretor do hospital veterinário da UFSM, fala sobre a volta às aulas.
Professor Segala se emociona ao lembrar
ex-aluno morto no incêndio na boate Kiss
em Santa Maria (Foto: Márcio Luiz/G1)

“Como vamos lidar com isso?”, pergunta-se a todo o momento o professor Luiz Sérgio Segala de Oliveira. Ele é diretor do Hospital Veterinário da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) e perdeu 15 alunos no incêndio da boate Kiss, que causou 237 mortes na madrugada do último domingo (27). Há na universidade uma preocupação com o estado emocional dos alunos a partir da retomada das aulas na segunda-feira (4), após uma semana de luto.

Das 237 vítimas da tragédia em Santa Maria, pelo menos 113 eram alunos da universidade. De acordo com o professor Segala, o curso de veterinária é um dos que sofreram mais perdas. A festa na boate na noite de sábado (26), batizada de “Agromerados”, era promovida por estudantes de seis cursos, a maioria do Centro de Ciências Rurais (CCR) da UFSM , como veterinária, agronomia e zootecnia. O número de vítimas e feridos da veterinária poderia ter sido ainda maior se os alunos do 9º semestre, que tinham agendado uma festa em outro local, tivessem ido à boate naquela noite.

O professor participou de um almoço de confraternização na tarde anterior ao incêndio e teve contato com dois dos alunos que morreram na tragédia. A reunião foi realizada na casa de uma aluna, que mora no mesmo condomínio que ele, no bairro Camobi, a poucos quilômetros do campus da UFSM. Dali, alguns jovens foram para casa. Um grupo de 10 a 15 estudantes foi para a Kiss. Henrique Nemitz Martins, 26 anos, e Ruan Callegaro, 20, não saíram de lá com vida.
Henrique Nemitz Martins e Ruan Pendeza Callegaro,
vítimas de incêndio em Santa Maria
 “Toda a turma do oitavo semestre estava nesse almoço. Santa Maria é uma cidade com a presença muito forte de universitários. O que eles querem fazer no fim de semana é festejar. Infelizmente, a festa foi trágica”, lamenta o professor, que leciona há 33 anos na universidade.

Entre os mortos, sete eram frequentadores diários do HVU, como é chamado o Hospital Veterinário Universitário. Alguns estagiavam lá e estavam prestes a se graduar. Segala conta que se dava muito bem como todos eles, mas tinha uma relação especial com Henrique. Natural de Manoel Viana, município com pouco mais de 7 mil habitantes na Região da Campanha, o jovem compartilhava com o professor a paixão por cavalos. Tornaram-se amigos a ponto de o estudante pedir conselhos ao professor após uma briga recente com a namorada.
 
“A maioria dos alunos de veterinária é do meio rural. Eu e o Henrique tínhamos esse assunto em comum, os cavalos. Nesse almoço, folheamos um catálogo de remates que recebo com frequência em casa. Mostrei a ele um cavalo e ele respondeu: ‘Esse é ruim’”, recorda o professor, emocionado.

UFSM prepara recepção aos alunos 
É difícil prever como os estudantes irão reagir quando retornarem ao campus e não encontrarem muitos dos colegas com os quais conviveram por anos. A universidade e as unidades, no entanto, adotam medidas para que a volta às aulas seja o menos traumática possível para alunos e comunidade acadêmica em geral. Muitos professores, também em luto, estão sendo preparados para lidar com a situação.

“Nós vamos enfrentar um problema na próxima semana. Acho que vai ser um problema sério e ainda não sabemos muito bem o que vamos fazer. Mas vamos ter de aprender. Como somos mais experientes, temos de dar força para eles. Só o tempo vai amenizar essa dor, que nunca vamos esquecer”, diz Segala.

Reuniões entre a reitoria e os diretores de unidades foram feitas para discutir o assunto e determinar ações. Entre as medidas a serem adotadas, a principal é a criação de um Centro de Acolhimento, a ser instalado em um espaço próximo à reitoria. A estrutura contará com uma equipe de psicólogos, psiquiatras, enfermeiros e assistentes sociais e encaminhará os estudantes para atendimento na rede de saúde mental, se necessário.

As unidades também podem adotar atividades complementares, a critério dos diretores. No CCR, por exemplo, uma conversa entre professores e alunos será realizada no início de cada turno de aulas, na segunda-feira. Nesse encontro, os professores querem ouvir dos alunos se eles preferem seguir com o cronograma normal de aulas ou se eles propõem outras atividades.
 Campus da UFSM está vazio após incêndio que matou 231 pessoas em Santa Maria

Outra preocupação é com a possível evasão. O diretor do hospital veterinário diz que alguns alunos já cancelaram o estágio. Agora, ele teme que outros possam seguir o mesmo caminho e trancar as matrículas ou mesmo abandonar de vez a universidade.

“Nós vamos dizer aos alunos que também estamos sentindo falta dos que se foram, dos amigos e de pessoas que nem conhecemos. Mas vamos tentar dar força para esses alunos para que continuem a tocar a vida, sem interromperem a caminhada”, diz Segalla.

Um culto ecumênico será realizado às 9h desta segunda-feira (4) no campus da UFSM, com a presença de alunos, servidores e familiares das vítimas. A universidade também anunciou que vai construir um memorial em homenagem às pessoas que morreram no incêndio. O local e data para início das obras ainda não foram definidos.

O professor Segala já decidiu: pretende colocar uma placa, com o nome dos 15 estudantes que perdeu, em um coluna de mármore, no meio de duas palmeiras, próximo à entrada do HVU.

Entenda
O incêndio durante uma festa para universitários,em Santa Maria (RS), teve início quando a banda Gurizada Fandangueira fazia uso de artefatos pirotécnicos no palco. Segundo relatos de sobreviventes e testemunhas, e de informações divulgadas até o momento pela polícia:
- O vocalista segurou um artefato pirotécnico.

- Era comum a utilização de fogos pelo grupo.
- A banda comprou um sinalizador proibido .
- O extintor de incêndio não funcionou .
- Havia mais público do que a capacidade.
- A boate tinha apenas um acesso , para a rua.
- O alvará dado pelos Bombeiros estava vencido .
- Mais de 180 corpos foram retirados dos banheiros.
- 90% das vítimas tiveram asfixia mecânica .
- Equipamentos de gravação estavam no conserto.


Por Márcio Luiz e Jessica Mello
Do G1 RS, em Santa Maria

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